No final da década de 90, eu trabalhava como programador em uma empresa em Campinas. O Windows da época era o 95, mas, como eu cresci usando a linha de comando, eu preferia usar o
DOS para muitas das tarefas cotidianas.
Certa vez eu estava vendo os arquivos que eu tinha no disco (com o comando
dir, no DOS) e encontrei um singular arquivo com o nome sugestivo de "a". Isso mesmo, sem extensão; apenas "a". Obviamente, quase sem pensar, usei o comando
type para ver o que tinha no arquivo - até porque sou muito curioso. Eu não ia deixar um arquivo com esse nome tão descritivo passar batido.
Mas, para minha surpresa, o
type me retornou uma mensagem de erro:
C:\original>dir
Directory of C:\original.
. <DIR> 13-06-1999 19:56
.. <DIR> 13-06-1999 19:54
a 49 13-06-1999 19:58
C:\original>type a
O arquivo especificado não pôde ser encontrado.
C:\original>_
Como assim?! Eu estava "vendo" ele logo ali, com o
dir!
Repeti o
type, repeti o
dir, mesmo resultado. O arquivo estava lá, ele tinha que estar lá! Como "não pôde ser encontrado"?!
"Só se o nome do arquivo não é esse que estou enxergando", pensei. Então eu comecei a testar nomes como
a ("a" seguido de um espaço),
a ,
a e assim por diante, mas eu não obtinha êxito. "O arquivo especificado não pôde ser encontrado." De certa forma eu já esperava por isso, pois espaços não eram permitidos no início ou no fim dos nomes de arquivos.
Tentei com "A" maiúsculo, mas também sem sucesso.
Obviamente era eu mesmo que havia criado esse arquivo algum tempo antes, pois eu era o principal usuário daquele computador, e nomes de arquivo como "a" e "b" eram simplesmente a minha cara. (Eu também criava pastas com nomes como
etório e
original só pra poder digitar
dir etório e
cd original.)
Então eu tive uma ideia. Eu me lembrei que, antigamente (e bem raramente), eu usava um artifício para disfarçar o nome dos arquivos, com o objetivo de despistar eventuais bisbilhoteiros.
A técnica consistia em usar um caracter que era válido como nome de arquivo, mas que parecia invisível. O caracter era o ALT+255 (obtido pressionando ALT junto com os algarismos 2, 5, 5 do teclado numérico). Pouca gente sabia disso, então eu usava no nome do arquivo e praticamente só eu conseguia acessá-lo.
Então eu tentei com
type a ("a" seguido de ALT+255), e... não funcionou. Tentei com 2 e até 3 ALT+255, e com alguma combinação de ALT+255 e espaços, mas em vão.
Até pedi ajuda a alguns colegas, e a sugestão óbvia que recebi foi: "Você já tentou abri-lo no Notepad?"
Não. Eu não queria fazer isso. Mas era um caso extremo. Desta vez eu precisaria da ajuda do Windows. Afinal, como esse arquivo apareceria no Windows Explorer? Será que daria para ver algum caracter oculto? Será que o Notepad poderia acessá-lo? Será que eu poderia renomeá-lo clicando sobre ele? Qual seria a reação do Windows?
Abri o Windows Explorer e lá estava ele. "a". Sem extensão e, aparentemente, sem segredos no nome. Estava lá, realmente, como eu havia visto pelo DOS. Cliquei sobre ele e mandei abri-lo com o Notepad. Será que o Notepad enxergá-lo-ia?
Eis que o Notepad conseguiu abri-lo. E finalmente eu pude ver o conteúdo do arquivo em sua janela gráfica:
O arquivo especificado não pôde ser encontrado.
Vocês precisavam ter visto a minha cara (nem eu vi, mas imagino).
O tempo todo o type havia conseguido acessar o arquivo "a" e mostrado seu conteúdo na tela! O conteúdo era a mensagem de erro! "Como eu não enxerguei isso antes?!"
(Ok, confesso que por uma fração de segundo eu pensei: Como é que aquela mensagem de erro veio parar dentro do notepad?)
Provavelmente eu havia digitado
dir algum_nome_esdrúxulo > a alguns meses antes, e a mensagem de erro ficou lá no arquivo e eu esqueci.
Esse foi um caso em que a interface gráfica me salvou. O DOS, o tão "infinitamente mais confiável que o Windows", o DOS em que eu me sentia mais confortável e seguro, perdeu para a interface gráfica em um problema que só pelo Windows eu poderia compreender. E assim foi o dia em que o DOS me pregou uma peça.